Por que devemos parar de comer Quinoa?

“No Reino Unido existe uma campanha para incentivar a população local a evitar o consumo de quinoa por causa de seus efeitos na população da América do Sul”.

Foi assim que minha conversa, com uma inglesa de 25 anos, sobre a quinoa me despertou a ideia de escrever esse texto. Antes que comecem a queixar-se do título, vou me justificar: não precisamos parar totalmente de comer quinoa, mas é interessante reduzir essa onda de consumo – e vou explicar porque. O título era somente uma estratégia para ganhar sua atenção.

Estive visitando, nas últimas semanas, o Chile e parte da Bolívia, com objetivo meramente turístico. Apesar disso, foi com esse segundo país que aprendi a rever meus conceitos sobre várias coisas na vida – inclusive sobre o consumo de quinoa. Não, não sou jornalista e não fiz nenhuma pesquisa investigativa sobre o assunto – sou somente uma nutricionista curiosa e que viu com os próprios olhos, e ouviu com os próprios ouvidos, como anda a relação da Bolívia com a produção de um de seus alimentos mais importantes: a quinoa.

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Para quem não sabe ou não buscou procurar, a quinoa é um dos alimentos básicos da alimentação de países como a Bolívia, Peru e algumas partes do Chile e, apesar de ser conhecida por milhares de anos por essas populações, só em meados de 2010 é que ela conquistou a atenção de especialistas em alimentação de todo o mundo (se tornando, inclusive, foco de várias campanhas com o apoio contraditório de organizações renomadas como a FAO). A quinoa é uma leguminosa de alto valor nutricional, rica em carboidratos, proteínas e fibras alimentares – características que a tornam um produto único e extremamente saudável. Mas, se ela é tudo isso, não seria besteira tirá-la do nosso cardápio? É sobre isso que eu gostaria de conversar com vocês.

Viajando pelo Parque Nacional Eduardo Avaroa, na Bolívia (onde fica localizado o Salar de Uyuni e outras maravilhas naturais do país), tive a oportunidade de passar algumas horas conversando com nosso motorista – um simpático jovem boliviano chamado Elvis, torcedor do Cruzeiro (acreditem, é verdade!) e um apaixonado por sua nação e suas  tradições. Dentre as várias histórias que Elvis me contou sobre seu país, seu presidente e as recentes conquistas da população local, foi a conversa sobre a quinoa que mais me chamou a atenção. Perguntei a Elvis sobre a importância da quinoa na alimentação local e ele me respondeu com a seguinte afirmativa: “hoje os bolivianos estão deixando de lado o consumo da quinoa para poder vendê-la aos grandes mercados alimentícios. O interesse por esse produto é muito grande”. Questionei novamente sobre como isso afetava a alimentação local e ele disse que os bolivianos preferem se virar com batatas, milhos e outros alimentos locais (e muito menos nutritivos do que a quinoa) do que comprometer suas vendas (por preços relativamente baixos) de quinoa. Trocando em miúdos, Elvis afirmou que tem se tornado cada vez mais raro o consumo de quinoa por populações indígenas ou rurais bolivianas.

Mas aí você me pergunta: se eles estão ganhando dinheiro com isso, qual seria o problema em continuar comprando a quinoa da população boliviana? Essa é uma discussão que envolve várias outras variáveis importantes, que vão desde a manutenção e o respeito por práticas culturas alimentares, a qualidade nutricional da alimentação dessa população, até com o cuidado e a sustentabilidade dos nossos hábitos.

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Vamos falar do primeiro aspecto e, talvez, o que mais me interessa: a manutenção das práticas culturais. Sempre defendi aqui no blog a manutenção de hábitos alimentares que tem correlação com os nossos hábitos milenares, fugindo de modismos e segundo aquelas práticas que sempre foram características da população brasileira: o tradicional arroz com feijão, as frutas regionais e os nossos produtos culturais, fabricados do nosso jeito. É essa prática, inclusive, que o Ministério da Saúde Brasileiro tem tentado reforçar e ensinar para a população local após lançar o último Guia Alimentar para a População Brasileira. Comer é muito mais do que apenas se nutrir – é também uma representação social dos nossos hábitos e da maneira como nos relacionamos e usufruímos do ambiente em que vivemos.

Para os bolivianos também é assim. A quinoa está para eles como o arroz (e o feijão) está para os brasileiros. É a base da sua alimentação, a maneira como encontraram para fugir da desnutrição e se adaptar a ambientes inóspitos como os desertos e os terrenos em grande altitude (que podem ser amplamente inférteis). Quando eles optam, portanto, por vender um produto que é base de sua alimentação para outras populações (como a nossa, por exemplo), eles estão abrindo mão de algo que é extremamente importante para o povo local (ao meu ver até mais importante do que o dinheiro que ganham ao vender a quinoa). Abrir mão da quinoa força os bolivianos a procurar por outros alimentos não-tradicionais, tornando sua alimentação pouco sustentável, com baixos valores de proteína (visto que a quinoa é uma fonte rica em proteína vegetal) e muito, muito mais cara do que deveria ser.

Por isso afirmo que, talvez, seja interessante repensar nossa relação com a quinoa. Não digo que você nunca mais vai poder comer esse alimento tão saboroso e interessante, mas que talvez precise repensar seus hábitos. Nós brasileiros nunca precisamos da quinoa para ser um povo saudável.  Vivemos sem ela até os anos 2000! O mesmo acontece com a população americana e europeia, que nunca precisaram da quinoa para viver bem ou de maneira saudável. A minha opinião é que precisamos voltar a tratar a quinoa como o alimento exótico que ela sempre foi para nós: uma iguaria da América Central para ser apreciada em alguns momentos específicos e não como um produto essencial para o nosso bem estar.

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Não acredito que diminuir o consumo mundial da quinoa vai prejudicar a economia de países exportadores, apesar dessa ser uma afirmativa baseada em nenhuma informação relevante sobre esse assunto (e também baseada no que ouvi de Elvis sobre a Bolívia comprar de volta sua própria quinoa processada nos EUA, ao invés de valorizar o comércio local). Acredito que essa é somente uma maneira simples de tentarmos incentivar a manutenção e a recuperação dos hábitos milenares dessa população, de ajudá-los a manter uma alimentação equilibrada e nutritiva e também de valorizar os nossos próprios produtos locais. Por isso, quando a jovem inglesa me disse que o Reino Unido está reduzindo o consumo local de quinoa para preservar a América do Sul, essa atitude também chamou minha atenção. Penso que seja possível fazer o mesmo por aqui e valorizar ainda mais nossos produtos locais. , em respeito aos hábitos alimentares das populações sulamericanas, mas também em respeito ao meu próprio país e minhas raízes culturais (e alimentares, por que não?).

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Sobre a merendeira da Flor Gil e o fascismo nutricional

Tem muito tempo que não escrevo por aqui, não é mesmo? E nada melhor do que voltar ao Batata Frita com uma polêmica que tem esquentado o universo das redes sociais (e, em especial, a minha timeline).

Posso estar um pouco atrasada no timing, mas acho que ainda não consegui me expressar muito bem sobre o frisson que foi causado pela divulgação da foto da merendeira da filha da chef Bela Gil (a fofinha Flor Gil) no último dia 21 de maio.

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Eu acredito que, quem me conhece, ou que acompanha minhas opiniões no Batata Frita, sabe o que eu penso sobre o tipo de alimentação que a Bela Gil ensina no canal GNT (programa que eu citei e até elogiei nesse post aqui) e que ela mesma pratica no seu dia a dia. Sempre acreditei que qualquer tipo de restrição alimentar, seja ela para o bem o para o mal, é uma prática prejudicial. Não me importa se você está restringindo o glúten para perder peso, ou eliminando a gordura saturada da sua rotina para melhorar o seu perfil lipídico – para mim, se você tem algum problema de saúde relacionado com a qualidade da sua alimentação, esse problema está na maneira como você se relaciona com a sua comida, e não com o alimento em si (a não ser que, é claro, você tenha algum problema clínico que te impede de ingerir algum nutriente, como a Doença Celíaca ou a Alergia ao Leite).

Eu explico.

Me irritei profundamente com o post da Bela Gil sobre a merendeira de sua filha. Mas não porque ela estava ensinando a filha a comer somente produtos naturais preparados de maneira saudável (até porque, nesse ponto, ela está certíssima), mas sim com o fato dessa prática, de levar batata doce e água para a escola, ser considerada por ela como a única relacionada como uma alimentação saudável para uma menina da idade da Flora Gil.

Vivemos em uma época de tanto fascismo nutricional (obrigada pelo termo Nat Mazoni!) que agora querer preparar um suco de frutas natural para seu filho levar na merendeira para a escola, acompanhado de um sanduíche natural de pão integral com queijo e tomate, é uma falha grave. E que, ocasionalmente, oferecer uma bolacha integral comprada no supermercado, é considerado caso de polícia.

Acho que temos que parar por ai. A gente parece não perceber, mas são nessas pequenas ações isoladas que muitas pessoas (em especial as mais influenciáveis) podem começar a cometer alguns deslizes – e a criar relações desequilibradas entre a sua alimentação e seu psicológico.

Longe de mim tentar ensinar a Bela Gil como alimentar a filha dela, ou a criticar o que ela segue como premissa para alimentação saudável (afinal, se ela realmente é nutricionista, deve saber o que está fazendo), mas posso sim deixar minha opinião sobre esse assunto. Quando me posicionei contra a atitude de mandar uma garrafa de água e algumas fatias de batata doce para sua filha como merenda da escola, eu queria deixar claro para as pessoas que confiam no meu trabalho como nutricionista que esse tipo de atitude, ao meu ver, não é o único que pode ser considerado normal e saudável. Veja bem, a Bela Gil segue uma premissa de alimentação chamada de macrobiótica, onde alguns alimentos e ingredientes (como o leite e o glúten) não são consumidos na sua rotina. Isso significa que você e seu filho precisam ser macrobióticos para manterem uma alimentação saudável? É claro que não.

Acho que as vezes nos esquecemos que a alimentação deve ser uma fonte não somente de nutrição, mas também de prazer para nossos filhos (e tudo bem, eu entendo que aquele lanche pode ser prazeroso para a pequena Flor Gil. E se for, fico tranquila!). Eles também vão se relacionar com seus amigos, familiares, colegas de escola e de trabalho, ao longo da vida, em frente a uma mesa de almoço, ou uma bancada de bar e se não aprenderem a conviver com todo e qualquer tipo de alimento disponível para consumo desde pequenos, como vão evitar que a sua relação com as refeições não sejam construídas da maneira errada? O que existe de errado em provar certas coisas, desde que você saiba o que pode ser ingerido todos os dias e o que não pode?

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Muita gente vai discordar do que eu defendo aqui desde sempre (e não somente nesse texto) e eu não ligo. Acho que o diálogo sobre a alimentação deve ser aberto, para que cada um possa encontrar a sua melhor maneira de se relacionar com sua própria comida. Isso não me impede, entretanto, de tentar colocar aqui na internet uma opção de conduta que não seja tão radical para alcançar um estilo de vida e alimentação saudável, para as mães que talvez não tenham o tempo (ou o dinheiro) para comprar um produto orgânico para seus filhos levarem para a escola. Eu acho sim que é possível ser muito saudável comendo de tudo (inclusive um biscoito recheado de vez em quando) e acho também que as crianças devem participar dessa “inclusão”. Esta sou eu.

“Mas Marina, você está me aconselhando a dar comida industrializada e enriquecida de vitaminas para meus filhos?” Não, não! Longe disso. Só quero dizer que ele comer isso ocasionalmente, em uma festinha de aniversário, ou no lanchinho em um final de semana, não é problema algum.

A base da alimentação do seu filho deve ser SEMPRE pautada na ingestão de alimentos e refeições 100% naturais. O que eu não quero é que você se sinta uma péssima mãe, ou um péssimo pai, porque teve que mandar um pão com requeijão de lanche para seu filho, ao invés de algumas rodelas de batata doce. Lembre-se, a Bela Gil não é o padrão de uma alimentação saudável para o seu filho. Se você tem um pouquinho de bom senso (e eu sei que tem), e sabe separar o que é saudável do que não é, você vai criar o seu próprio padrão de educação alimentar para suas crianças. A escolha é sua (assim como a obrigação de educar também!).

Para finalizar, respeito a opinião da Bela Gil e a maneira como ela cria sua filha e se relaciona com sua alimentação. Se elas estão felizes e são saudáveis assim, isso é um grande mérito delas e eu não estou no direito de questionar essa boa relação. Essa só não será a minha opção de conduta alimentar quando eu tiver os meus filhos. Estou errada? Talvez um dia a ciência me prove isso. Mas posso dizer que eu fui criada com a mesma “liberdade nutricional” por meus pais, e sempre fui incentivada a comer de tudo (inclusive as besteiras de vez em quando) e isso não me torna uma pessoa menos saudável que elas. Pergunte aos meus médicos e tire a contra-prova! 😉

Em tempos de intolerância política, religiosa e comportamental, não queremos também criar a intolerância alimentar (e não estamos falando de intolerâncias clínicas como ao glúten ou ao leite). Acredito que devemos sempre conversar a respeito da nossa alimentação e de como podemos tornar esse hábito mais saudável e sempre prazeroso.

Como você se relaciona com a sua comida e como passa esses ensinamentos para os seus filhos? Deixe seu comentário sobre esse assunto!

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Eu comi uma crepioca ontem (e gostei!)

Pensei em escrever esse texto logo após terminar um saboroso prato de crepioca que meu marido fez para mim no jantar ontem a noite. Crepioca, para quem não sabe, é uma receita de omelete com tapioca, que foi criada para se adequar as múltiplas orientações de quem quer ter uma vida e uma alimentação mais fitness. Naturalmente, como vocês bem me conhecem, eu torceria o nariz para introduzir esse tipo de preparação na minha dieta, mas confesso que me surpreendi ao colocar o primeiro pedaço da crepioca na boca. Essa surpresa que motivou minhas reflexões abaixo.

O universo da nutrição se tornou um ambiente tão cheio de “achismos” e “modismos” que atualmente vivemos em uma batalha constante entre os que acreditam em tudo que a mídia fala, contra os que defendem a prática de uma alimentação mais normal (eu me encaixo aqui!). Essa batalha, apesar de válida em muitos momentos, tem nos tirado um dos maiores benefícios da curiosidade humana: a possibilidade de experimentar novos sabores.

São tantas receitas fitness ou emagrecedoras que são divulgadas para ajudar a perder aqueles quilinhos indesejados, que nós esquecemos de perceber que muitos desses pratos são muito mais do que alternativas nutricionais para alcançar o objetivo desejado: elas são experiências gastronômicas muito interessantes. É claro que eu não estou falando aqui do brigadeiro de whey protein, ou do smoothie feito com albumina, mas sim das receitas que usam ingredientes que são naturais, mas que tem sido classificados como fitness por causa desse modismo maluco que atinge os nossos hábitos alimentares (sim, eu estou falando da tapioca).

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Imagem: Na Mira

Pego como exemplo a própria crepioca. O omelete é um delicioso prato, rico em proteínas animais e gorduras benéficas para a nossa saúde. A adição da tapioca no seu preparo, além de enriquecer o alimento com boas doses de carboidrato, dá ao omelete uma textura diferente, que lembra muito um crepe (dai o nome “crepioca”), transformando a experiência em consumir o omelete em algo completamente diferente. Outro bom exemplo é o suco verde. Eu sou contra quem usa esse suco para poder seguir rotinas detox e aumentar a eliminação de toxinas do corpo (aliás, ainda não descobri quais são essas toxinas tão perigosas que meu corpo produz e que o suco verde elimina. Se vocês descobrirem me contem!), mas sou a favor de quem consome essa bebida porque gosta do sabor e porque valoriza a mistura de nutrientes que ela oferece.

O que estou querendo dizer com toda essa reflexão é que, talvez, nós nutricionistas devemos baixar a guarda nesta batalha do “certo ou errado”. Se seu paciente quer comer um pote de iogurte por dia com uma colher de sopa de Goji Berry, qual seria o problema? Se ele gosta do sabor, está satisfeito e está se mantendo saudável assim, o Goji Berry não é o problema. Precisamos ensinar nossos pacientes a escolher melhor seus objetivos na hora de comer os alimentos, e não necessariamente escolher os seus alimentos porque isso ou aquilo “cientificamente não funciona”. Se o objetivo final do seu paciente é viver bem e com prazer, porque não permitir que ele coma sua crepioca? Ou sua panqueca de banana? Ou seu pão com manteiga de amendoim? Ou a sua tapioca com queijo? Essas receitas são tão saborosas, e nutritivas, quanto o nosso tradicional prato de arroz com feijão, ou qualquer outra sugestão feita por vários nutricionistas espalhados pelo país.

Quando nos tornamos menos resistentes a essas “novidades” do mercado, e aprendemos a apreciar seu valor em uma alimentação equilibrada e não restritiva, nós ganhamos a confiança do nosso cliente, e também aprendemos a abrir nosso coração para outras opções de pratos e alimentos extremamente saborosos.

Obs1: Sim, vou adicionar a crepioca ao meu cardápio semanal, especialmente por sua praticidade.

Obs2: Não, eu continuo sendo contra a ingestão de receitas elaboradas com isolados de proteína e seus derivados fitness.

Obs3: Esse texto não justifica a prática de uma dieta glúten free ou lactose free por indivíduos que não apresentam, respectivamente, doença celíaca ou intolerância à lactose.

Obs4: Aceito sugestões de receitas sempre!

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A medicalização do dia-a-dia

Crônica originalmente escrita por Mauro Kleber no blog Raras Ideias

A partir de um excelente artigo de Jorge Quillfeldt *: A Medicalização da Vida, publicado na Scientific American brasileira , passo a discutir alguns fatos médicos que me têm deixado um pouco preocupado: o excesso de diagnósticos, na área médica, incluindo aí o campo da nutrição clínica, campo em que esta prática tem se mostrado extremamente exagerada e desastrosa.

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Como cita Quillfeldt em seu artigo, (1)  “Pessoas saudáveis são pacientes que ainda não sabem que estão doentes”. A afirmação foi feita por um personagem de uma peça teatral satírica (2) : Na peça, um médico ambicioso, o Dr. Knock, chega em uma pequena cidade do interior da França – St.Maurice, para suceder ao Dr. Parpalaid, um médico íntegro e honesto, mas que tinha poucos pacientes. O estado de saúde da cidade era excelente, e o Dr Knock, sem ter o que fazer resolve convencer a todos da cidade de que eles estão doentes. É então que ele usa a frase supracitada. O resultado é imediato. Toda a população é colocada em casa, acamada, o hotel é transformado em uma clínica e até mesmo o Dr. Parpalaid, que retorna temporariamente ao vilarejo, fica preocupado com a sua saúde e é internado peloDr.Knock.

Parece incrível, mas hoje, quase 100 anos após a peça ter sido escrita (3) , a profecia ou a prática do Dr. Knock, vem se tornado uma prática rotineira no meio médico mundial. Não há dúvida que houve grandes avanços na medicina nos últimos anos, mas com isto veio o exagero, e a medicalização de temas, que embora tenham a ver com a saúde, às vezes não são estritamente médicos. Quillfeld define medicalizar como “passar a definir e tratar algo como um problema médico ou direcionar conhecimentos e recursos técnicos (grifo meu) da medicina para tratar algo que antes não era abrangido por esta área”.

Segundo o autor, a facilidade tecnológica em detectar novas patologias (como o autismo) e reinterpretar outras (como a histeria), pode facilitar que novas doenças possam ser criadas, quando situações normais acabam tidas como doenças. Sou testemunha do quanto isto tem sido frequente no consultório, notadamente no que diz respeito a condições como intolerância à lactose ou ao glúten, por exemplo. Quando eu era criança não conheci nenhum de meus amigos, com os lábios lambuzados de leite, o pão empanturrado de manteiga e queijo, ou que comesse bolo quente roubado e que passasse mal depois. Quando muito sofríamos com uma palmada, ou éramos alertados com o aviso de que bolo quente pode fazer mal para a saúde. Ninguém era intolerante à lactose ou ao glúten. O que aconteceu? As técnicas diagnósticas estão melhores, mas porque não tínhamos diarreia ou intolerância? Mudamos nós, ou mudaram os alimentos, ou os médicos. Esperamos discutir estas e outras dúvidas nos próximos posts.

Mas fiquemos, por enquanto, só com a medicalização. Há exemplos diversos: desde a pílula anticoncepcional, que proporcionou uma revolução sexual, até os antissépticos bucais, que terminaram com o mau hálito, a remédios para calvície, para síndrome das pernas inquietas, para timidez , para falta de concentração, uma epidemia infantil, hoje tratável com a quase onipresente ritalina, para a tristeza, via antidepressivos e até para o envelhecimento, como os medicamentos para a disfunção erétil e para a deficiência de testosterona que combatem as temíveis diminuição da libido e a impotência, só para citar as menos bizarras. O importante é que há uma doença para cada um. Se você não está sentindo nada é porque ainda não fez o seu check up anual, ou semestral, com um Dr. Knock.

Mas qual o problema em ficar mais bonito, tentar ser jovem, fazer prevenção? Nenhum, não viessem estes procedimentos acompanhados de sofrimento psicológico com condições naturais ou fisiológicas, a perda da autonomia em tomar decisões básicas sobre sua vida e sua saúde (agora delegada ao médico) , ao fim da subjetividade, tanto por parte do médico, quanto do paciente, na análise de situações corriqueiras, ao aumento nos custos da saúde, que em última análise vai ser subsidiado por você mesmo, através do aumento das mensalidades de seu plano de saúde e dos impostos destinados a manter a boa saúde pública. Além disto há a iatrogenia – a consequência de um ato originado a partir de uma intervenção médica ou com o seu aval.

Hoje a pseudociência nada de braçada. A moderna medicina, baseada em evidências, é usada e abusada, como justificativa para a aplicação de técnicas ultramodernas, com resultados encorajadores, mas também abre espaço para a os enganadores, para a medicina alternativa , para o tratamento de exames ao invés de pacientes. Assim Dr. Knock assegura um lugar para cada um em seu hotel-hospital e duvido que você não conheça pelo menos uma pessoa que está agora, neste momento, sendo envenenada pelo glúten ou tendo sua saúde ameaçada por um copo de leite.

NOTAS:

[1] Scientific American Brasil,155:20,2015

* Neurocientista e divulgador de ciência. Licenciado em física, mestre em bioquímica e doutor em fisiologia. Professor titular de Departamento de Biofísica, IB/UFRGS. Coordenador da disciplina de exobiologia.

[2] Knock ou Le Triomphe de la medicine é uma peça escrita pelo escritor francês Jules Romains. Ela foi apresentada pela primeira vez em Paris no Théâtre des Champs-Élysées, no dia 15 de dezembro de 1923 e depois recebeu uma adaptação para o inglês pelo jovem Orson Welles, então com 16 anos, no Peacock Theatre, em Dublin. Há também duas adaptações cinematográficas da peça Knock ou Le Triomphe de la medicine, de 1933, dirigido por Roger Goupillières e Louis Jouvet e Dr Knock, de 1951, dirigido por Guy Lefranc.

[3] Para ser justo, Machado de Assis, em seu conto O Alienista, de 1882, já aborda tema semelhante, com relação à saúde mental

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5 alimentos brasileiros deliciosos (e nutritivos) que todo gringo deve provar

No final de Fevereiro deste ano (2015) o COI (Comitê Olímpico Internacional) elaborou uma lista de alimentos tipicamente brasileiros que os gringos deveriam provar no país durante as Olimpíadas de 2016. Dentre as 17 maravilhas que nós já conhecemos, o Batata Frita resolveu dar uma melhoradinha nesta lista e ajudar você a escolher cinco destes alimentos que, além de imperdíveis no sabor, são maravilhas desconhecidas em termos nutricionais. Quer saber quais alimentos são esses? Dá uma conferida na nossa lista então!

Açaí

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Quem encabeça a nossa lista de alimentos brasileiros nutricionalmente imperdíveis para os gringos é o açaí. Esta fruta, que é tão condenada por seu valor calórico elevado, é uma fonte riquíssima de gorduras que fazem muito bem para a nossa saúde (sim, nós precisamos de comer gordura para viver em equilíbrio). Além disto a composição do açaí é rica em ferro, cálcio, magnésio, carboidratos e antioxidantes e, por este motivo, ele tem se tornado um dos alimentos favoritos de atletas.

Mas atenção! Nós (da região sul e sudeste do país) temos o hábito de comer açaí misturado com vários outros ingredientes como o xarope de guaraná, a granola, pedaços de banana, morango e até mesmo leite em pó. Estes ingredientes podem elevar, consideravelmente, o valor calórico de uma porção de açaí, tornando-o uma bomba calórica e não necessariamente um alimento importante para a nossa saúde. Se você for oferecer um açaí para um gringo opte pelo tradicional com granola e banana, e não passe do potinho de 300g, ok?

Moqueca

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Esse prato tradicionalmente brasileiro (é baiano ou capixaba? Alguém me tira essa dúvida ai!) é realmente uma delícia. A mistura do peixe com pimentão, azeite de dendê, leite de coco, tomates, suco de limão, cebola e camarão promove uma chuva de sabores que nenhum gringo jamais provou antes. Mas não é só por causa do sabor que a moqueca merece ser provada. Esta mistura é riquíssima em proteína, antioxidantes (o licopeno do tomate é o principal!), ferro, ácidos graxos essenciais (como os da família dos ômega) e vitamina D. Para poder comer a moqueca e usufruir de todos estes benefícios sem se preocupar é só ficar de olho na quantidade ok?

Suco de Tangerina

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Eu não sei como é no resto do país, mas aqui em São Paulo o povo adora um suquinho fresco de tangerina. E, posso te falar? Não existe nada mais gostoso e nutritivo do que esta pedida para um dia quente tipicamente brasileiro. A tangerina, assim como a laranja e outras frutas cítricas, é riquíssima em vitamina C, que é um dos antioxidantes naturais mais importantes da nossa alimentação. Além disto ela também é boa fonte de fibras e carboidratos. A melhor característica do suco de tangerina é que ele pode ser consumido sem nenhuma adição de açúcar, já que a fruta já é naturalmente docinha!

Fruta do Conde

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A fruta do conde é um alimento tipicamente brasileiro, mas nem tão popular assim nas nossas mesas. Isto não significa que ela não pode ser considerada mais uma iguaria imperdível para os gringos provarem na vinda ao país. Além do sabor e consistência característica, a fruta do conde é uma excelente fonte de proteínas vegetais, ferro, cálcio, fósforo vitamina C e carboidratos. A mistura de ferro e vitamina C é importantíssima para ajudar a absorção do mineral, ajudando a reduzir o risco de desenvolver anemia em indivíduos que consomem esta fruta regularmente. Viu como pode ser interessante adicionar a fruta do conde ao seu cardápio diário?

Feijoada

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Qual gringo que vem ao Brasil e não prova a tradicional feijoada, não é mesmo? Eu sei que as receitas tradicionais de Feijoada são muito pesadas e altamente calóricas, mas se você for um adepto da feijoada leve, muitos benefícios podem ser retirados deste prato. O principal e mais importante ingrediente da feijoada é o feijão preto. Este tipo de feijão além de apresentar uma concentração maior de fibras do que as outras versões, ele é rico em ferro, folato e magnésio. A feijoada ainda oferece boas fontes de proteína, oriunda dos pedaços de carne usados nesta receita, e de vitamina B12.

Quando for comer a feijoada opte sempre por sua versão “light”, que usa pedaços mais magros de carne para enriquecer o feijão e, sempre que possível, consuma com um pouco de arroz, para poder ingerir uma quantidade ideal de aminoácidos essenciais para a nossa saúde.

Essas são as nossas sugestões de pratos tradicionalmente brasileiros, mas nutricionalmente completos, que todo gringo deve provar. Qual é a sua opinião sobre este assunto? Deixe seu comentário!

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5 desvantagens que os alimentos industrializados trouxeram para a nossa saúde

Sabe um hábito que pode ser muito pior do que comer muita caloria? Comer muito produto industrializado. A vovó já dizia que comer o feijão premiado com linguiça dela fazia muito menos mal do que optar por um prato de sopas prontas, não é mesmo? Para provar que nossas avós sempre estiveram certas, vamos citar abaixo cinco desvantagens que só os alimentos industrializados podem fornecer para sua saúde. Venha conferir (e fugir enquanto é tempo!)!

1 – Diminuição da flora bacteriana 

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Já discutimos em alguns posts para trás a relação entre o consumo de leites e queijos pasteurizados e o seu efeito na nossa flora bacteriana (se você ficou curioso clique aqui e aqui). A verdade é que o consumo de leites e queijos crus (de origem segura, ok gente?) é extremamente benéfico para a nossa flora bacteriana intestinal. A nossa flora é bastante afetada por aquilo que ingerimos, e ter o contato com outros tipos de floras (como as encontradas no leite) permite que ela se fortaleça e ajude a regular ainda mais o funcionamento deste órgão. O consumo de leites e queijos “limpos” e “puros” tem assassinado nossa flora, e tem possibilitado o surgimento de várias doenças inflamatórias e alergênicas que antes não eram tão comuns em nossas rotinas. Existe uma forte teoria entre os gastroenterologistas e outros especialistas que o aumento de incidência de intolerância a lactose na nossa sociedade é consequência do nosso consumo exagerado de leites pasteurizados demais. Você acreditaria nessa possibilidade?

2 – Consumo desenfreado de açúcar

O açúcar é o vilão do século, e nós sabemos disso muito bem, não é mesmo? Mas pense bem: será que você come muito açúcar por causa das deliciosas geleias e conservas que sua vó faz em casa, ou porque você está sempre optando por consumir bebidas açucaradas (como sucos de caixinha e refrigerantes), lanchar biscoitos recheados ou comer aquela granola industrializada toda enfeitada de açúcar? Pois é. A culpa da nossa ingestão exagerada de açúcar é, em sua imensa maioria, causada por alimentos industrializados que fazem parte da nossa rotina. Pense nisso antes de criticar sua vovó por te servir aquele maravilhoso doce de goiaba após o almoço de domingo.

3 – Transformação do sódio em vilão

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O sal é, logo após o açúcar, o segundo vilão mais importante do século XXI. Mas vocês já pararam pra pensar que, nas nossas receitas caseiras, o uso de sal é infinitamente menor do que o encontrado em alimentos industrializados que colocamos na nossa rotina? O sal é um conservante natural utilizado em TODOS os produtos industrializados. Isso ai. TODOS. Até naqueles que dizem ter baixo teor de sódio, ou que dizem ser diet. Se você pode reduzir seu consumo de sódio somente trocando as receitas feitas com produtos industrializados por receitas caseiras, porque é que você vai precisar ficar comendo arroz e feijão sem sal pro resto da vida? Pense nisso quando seu médico lhe orientar consumir menor teor de sódio para controlar a pressão arterial.

4 – Baixa biodisponibilidade de micronutrientes

Não existe nenhum alimento mais nutricionalmente completo do que um em sua versão natural. Frutas, vegetais, cereais e carnes frescas são alimentos ricos em vitaminas e minerais essenciais para a nossa saúde. O mesmo não acontece com suas versões industrializadas. Além de apresentarem alto teor de conservantes e produtos químicos em sua composição, alguns micronutrientes são extremamente voláteis e se perdem facilmente no contato com o ar ou com outros compostos químicos. O resultado disto é a produção de um alimento com baixo valor nutricional e pouco importante para a nossa saúde.

5 – Menor consumo de fibras

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Você está sofrendo mais com quadros de constipação depois que teve que trocar algumas refeições caseiras por produtos industrializados? Não se assuste, isto é uma consequência natural da ingestão elevada destes alimentos. Para reforçar o sabor e facilitar a mastigação, a grande maioria dos produtos industrializados é elaborada com uma baixa concentração de fibras, já que geralmente são usadas farinhas brancas, açúcar simples e frutas e vegetais descascados em sua formulação.

Trocar sua refeição caseira deliciosa por um prato rápido, simples (e até menos calórico) de alimentos industrializados não pode ser uma ideia tão boa assim. Pense nisso antes de se preocupar somente com o teor calórico ou com a praticidade da sua alimentação.

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