Por que devemos parar de comer Quinoa?

“No Reino Unido existe uma campanha para incentivar a população local a evitar o consumo de quinoa por causa de seus efeitos na população da América do Sul”.

Foi assim que minha conversa, com uma inglesa de 25 anos, sobre a quinoa me despertou a ideia de escrever esse texto. Antes que comecem a queixar-se do título, vou me justificar: não precisamos parar totalmente de comer quinoa, mas é interessante reduzir essa onda de consumo – e vou explicar porque. O título era somente uma estratégia para ganhar sua atenção.

Estive visitando, nas últimas semanas, o Chile e parte da Bolívia, com objetivo meramente turístico. Apesar disso, foi com esse segundo país que aprendi a rever meus conceitos sobre várias coisas na vida – inclusive sobre o consumo de quinoa. Não, não sou jornalista e não fiz nenhuma pesquisa investigativa sobre o assunto – sou somente uma nutricionista curiosa e que viu com os próprios olhos, e ouviu com os próprios ouvidos, como anda a relação da Bolívia com a produção de um de seus alimentos mais importantes: a quinoa.

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Para quem não sabe ou não buscou procurar, a quinoa é um dos alimentos básicos da alimentação de países como a Bolívia, Peru e algumas partes do Chile e, apesar de ser conhecida por milhares de anos por essas populações, só em meados de 2010 é que ela conquistou a atenção de especialistas em alimentação de todo o mundo (se tornando, inclusive, foco de várias campanhas com o apoio contraditório de organizações renomadas como a FAO). A quinoa é uma leguminosa de alto valor nutricional, rica em carboidratos, proteínas e fibras alimentares – características que a tornam um produto único e extremamente saudável. Mas, se ela é tudo isso, não seria besteira tirá-la do nosso cardápio? É sobre isso que eu gostaria de conversar com vocês.

Viajando pelo Parque Nacional Eduardo Avaroa, na Bolívia (onde fica localizado o Salar de Uyuni e outras maravilhas naturais do país), tive a oportunidade de passar algumas horas conversando com nosso motorista – um simpático jovem boliviano chamado Elvis, torcedor do Cruzeiro (acreditem, é verdade!) e um apaixonado por sua nação e suas  tradições. Dentre as várias histórias que Elvis me contou sobre seu país, seu presidente e as recentes conquistas da população local, foi a conversa sobre a quinoa que mais me chamou a atenção. Perguntei a Elvis sobre a importância da quinoa na alimentação local e ele me respondeu com a seguinte afirmativa: “hoje os bolivianos estão deixando de lado o consumo da quinoa para poder vendê-la aos grandes mercados alimentícios. O interesse por esse produto é muito grande”. Questionei novamente sobre como isso afetava a alimentação local e ele disse que os bolivianos preferem se virar com batatas, milhos e outros alimentos locais (e muito menos nutritivos do que a quinoa) do que comprometer suas vendas (por preços relativamente baixos) de quinoa. Trocando em miúdos, Elvis afirmou que tem se tornado cada vez mais raro o consumo de quinoa por populações indígenas ou rurais bolivianas.

Mas aí você me pergunta: se eles estão ganhando dinheiro com isso, qual seria o problema em continuar comprando a quinoa da população boliviana? Essa é uma discussão que envolve várias outras variáveis importantes, que vão desde a manutenção e o respeito por práticas culturas alimentares, a qualidade nutricional da alimentação dessa população, até com o cuidado e a sustentabilidade dos nossos hábitos.

Quinoa Harvest

Vamos falar do primeiro aspecto e, talvez, o que mais me interessa: a manutenção das práticas culturais. Sempre defendi aqui no blog a manutenção de hábitos alimentares que tem correlação com os nossos hábitos milenares, fugindo de modismos e segundo aquelas práticas que sempre foram características da população brasileira: o tradicional arroz com feijão, as frutas regionais e os nossos produtos culturais, fabricados do nosso jeito. É essa prática, inclusive, que o Ministério da Saúde Brasileiro tem tentado reforçar e ensinar para a população local após lançar o último Guia Alimentar para a População Brasileira. Comer é muito mais do que apenas se nutrir – é também uma representação social dos nossos hábitos e da maneira como nos relacionamos e usufruímos do ambiente em que vivemos.

Para os bolivianos também é assim. A quinoa está para eles como o arroz (e o feijão) está para os brasileiros. É a base da sua alimentação, a maneira como encontraram para fugir da desnutrição e se adaptar a ambientes inóspitos como os desertos e os terrenos em grande altitude (que podem ser amplamente inférteis). Quando eles optam, portanto, por vender um produto que é base de sua alimentação para outras populações (como a nossa, por exemplo), eles estão abrindo mão de algo que é extremamente importante para o povo local (ao meu ver até mais importante do que o dinheiro que ganham ao vender a quinoa). Abrir mão da quinoa força os bolivianos a procurar por outros alimentos não-tradicionais, tornando sua alimentação pouco sustentável, com baixos valores de proteína (visto que a quinoa é uma fonte rica em proteína vegetal) e muito, muito mais cara do que deveria ser.

Por isso afirmo que, talvez, seja interessante repensar nossa relação com a quinoa. Não digo que você nunca mais vai poder comer esse alimento tão saboroso e interessante, mas que talvez precise repensar seus hábitos. Nós brasileiros nunca precisamos da quinoa para ser um povo saudável.  Vivemos sem ela até os anos 2000! O mesmo acontece com a população americana e europeia, que nunca precisaram da quinoa para viver bem ou de maneira saudável. A minha opinião é que precisamos voltar a tratar a quinoa como o alimento exótico que ela sempre foi para nós: uma iguaria da América Central para ser apreciada em alguns momentos específicos e não como um produto essencial para o nosso bem estar.

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Não acredito que diminuir o consumo mundial da quinoa vai prejudicar a economia de países exportadores, apesar dessa ser uma afirmativa baseada em nenhuma informação relevante sobre esse assunto (e também baseada no que ouvi de Elvis sobre a Bolívia comprar de volta sua própria quinoa processada nos EUA, ao invés de valorizar o comércio local). Acredito que essa é somente uma maneira simples de tentarmos incentivar a manutenção e a recuperação dos hábitos milenares dessa população, de ajudá-los a manter uma alimentação equilibrada e nutritiva e também de valorizar os nossos próprios produtos locais. Por isso, quando a jovem inglesa me disse que o Reino Unido está reduzindo o consumo local de quinoa para preservar a América do Sul, essa atitude também chamou minha atenção. Penso que seja possível fazer o mesmo por aqui e valorizar ainda mais nossos produtos locais. , em respeito aos hábitos alimentares das populações sulamericanas, mas também em respeito ao meu próprio país e minhas raízes culturais (e alimentares, por que não?).

escritopor2marina

Um comentário em “Por que devemos parar de comer Quinoa?

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  1. O que me assuste é o que nós inconscientemente também fazemos com as novas gerações, esses dias conheci uma moça desde sempre tomou adoçante, sem necessidade pois não precisa de dieta restritiva, ela me disse que não sabe como usar açúcar por isso continua com adoçante, a mãe dessa pessoa simplesmente tirou de sua vida prazeres como uma boa limonada gelada num dia quente entre outras coisas… Acho isso um crime, contra uma sociedade inteira, que ao se privar de uma alimentação tradicional perde sua identidade. Essa reportagem me lembrou dessa moça e das vezes que tomei limonada e comi muqueca (alimento tradicional do meu estado)

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